Leonardo da Vinci

Análise do estilo de Leonardo da Vinci

Texto de João Werner

Gênio indiscutível, criador de excelências em diversas áreas do espírito humano. Pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, inventor, cientista.

Soube manter a multi-disciplinariedade de seus interesses sem que cada atividade sua interferisse com a qualidade das outras atividades, muitas vezes antagônicas. Por exemplo, dissecou cadáveres e projetou cruéis armas de guerra, mas suas pinturas tem uma profundidade de alma inigualável.

"Monalisa"

Consta que pediu perdão a Deus em seu leito de morte por ter se dedicado tão pouco à pintura. Deixou um legado de não mais do que trinta quadros, alguns verdadeiros ícones da arte. A sua misteriosa Mona Lisa é, talvez, a pintura mais conhecida do mundo. Livre-pensador, não se encontra uma linha sequer sobre religião em seus escritos. Mas, produziu talvez o mais difundido e reproduzido monumento da fé católica, o afresco Última ceia.

Embora primasse pelo brilhantismo técnico, realizando suas pinturas com esmerado acabamento, Leonardo deixou inconclusas diversas de suas obras. Outras, como a Última ceia, deterioram-se ainda durante a vida de Leonardo, dada a sua tendência ao experimentalismo técnico. Entretanto, por outro lado, é considerado o inventor do sfumato, assim como da perspectiva aérea.

"Última Ceia"

Leonardo encarava a pintura como uma forma de conhecer o mundo. Fez parte de um grande movimento cultural no Renascimento que visava tornar a pintura uma arte maior, equiparável à poesia e à oratória.

Para os gregos, a pintura e a escultura não eram atividades para homens livres. Durante a Idade Média, embora os artistas e arquitetos gozassem de grande prestígio, a pintura era considerada uma arte vulgar, menor. Leonardo afirmava que, ao contrário, a pintura era cosa mentale. Com isso queria ressaltar a alta atividade espiritual e intelectual presente na elaboração da composição da arte, especialmente através do uso consciente da geometria como um elemento compositivo.

Conta-se que, enquanto realizava a Última Ceia, o superior da abadia onde Leonardo estava realizando a pintura ficava perplexo ao vê-lo passar a maior parte do tempo parado, apenas contemplando a obra. Para o abade, Leonardo deveria trabalhar como qualquer artesão, desde cedo até o poente, incessantemente. Quando interpelado pelo Duque de Milão, patrono da obra, Leonardo respondeu que "os homens de gênio às vezes produzem mais quando menos trabalham, pois esta é a hora em que elaboram invenções e formam em suas mentes as idéias perfeitas que depois expressam e reproduzem com as mãos."

Esquema piramidal

O esquema compositivo mais comumente utilizado por Leonardo é o esquema piramidal.

As figuras são dispostas na cena de maneira que o seu conjunto ocupe a maior área próxima ao chão, e quanto mais se elevam na vertical, menor área ocupam.

Disso resulta uma estrutura em forma de triângulo que tornou-se, mais tarde, quase um padrão na arte de Rafael e outros pintores.

Esquema compositivo da "A Virgem com o Menino e Santa Ana"

Na ilustração, A Virgem com o Menino e Santa Ana, pode-se perceber como as três figuras enquadram-se dentro do esquema piramidal, em que pese a extraordinária naturalidade dos gestos e da expressão das personagens.

Variedade dos gestos

Segundo consta, durante a realização da Última ceia, Leonardo empregou muito tempo perambulando por diversos locais da cidade, inclusive as prisões, em busca de rostos cuja fisionomia mais se enquadrasse às qualidades expressivas que ele pretendia para a obra.

Lenda ou não, seus cadernos de esboços estão cheios de desenhos desta natureza, inúmeros estudos de rostos e expressões, mãos em gestos variados, os quais são uma das suas marcas criativas.

Detalhe da "Última Ceia"

Alberti já havia afirmado em seu tratado que uma das coisas que dá prazer em uma pintura seria a variedade e a copiosidade dos gestos e dos personagens. E não apenas isto, mas que cada movimento de mão, cada expressão facial manifestasse os movimentos da alma. Parece que Leonardo vai perseguir este ideal em suas pinturas.

Sfumato

O sfumato é a passagem da luz para a sombra, realizada de maneira tão sutil que quase não é perceptível o limite entre uma e outra.

Isto, consegue-se pelo hábil manejo do pincel (ou outros instrumentos suavizadores, como os dedos ou o esfuminho), aplicando suavemente a tinta, ora vindo da luminosidade em direção à sombra, ora vice-versa. O efeito é o de uma sutil gradação.

Com o emprego desta técnica eliminam-se os contornos nítidos, reduzindo a precisão dos traços e ampliando a ambigüidade expressiva. Leonardo utilizou este recurso técnico em várias pinturas.

Possível autoretrato de Leonardo

Na Mona Lisa, por exemplo, os contornos dos olhos e os cantos da boca receberam este tratamento técnico, o que talvez seja, em parte, responsável pelo indecidível estado de espírito da retratada. Ora ela parece sorrir, ora parece melancólica, e tais interpretações são mutuamente viáveis por que as linhas de expressão dos rosto permitem ambas as hipóteses.

Uma conseqüência do emprego desta técnica é a possibilidade de não se trabalhar as figuras a partir de suas linhas de contornos, mas sim desde suas superfícies, ou melhor, da modulação suave da luz sobre os corpos.

Artistas como Botticelli, por exemplo, fizeram do uso da linha de contorno o seu mais forte recurso expressivo. Os contornos são agudos e as figuras se destacam umas das outras pelos nítidos perfis.

Em Leonardo, ao contrário, as figuras parecem avançar e recuar desde as sombras. Ele concebe a figura não por seu perfil, mas, digamos assim, pela sua superfície.

Perspectiva aérea

A perspectiva aérea é um modo de representar os efeitos das grandes distâncias na percepção que temos das cores e dos contornos dos objetos. Sabe-se que, quanto mais distante está um objeto ou uma cena de nós, nós vemos os seus contornos menos nítidos .

Também as cores são afetadas por esta determinante. Dada a presença do oxigênio no ar que intermedia a distância entre nós e as montanhas longínquas que Leonardo representou na Virgem e o Menino com Santa Ana, quanto mais distantes estão as montanhas, mais azuladas nos parecerão. Esta é também a razão de vermos o céu azul em dia de sol.

Na ilustração, à direita, vemos uma ampliação da pintura onde se pode comparar o azul das montanhas distantes

Mona Lisa